Usina Maringá deve medir calor para preservar saúde de cortadores de cana

Monitoramento e adoção de medidas preventivas estão entre as obrigações estabelecidas por liminar em ação civil pública do MPT

Fotógrafo: João Pires/LBF
08/11/2011 - 01h38

O Ministério Público do Trabalho obteve liminar em ação civil pública determinando à Usina Maringá Indústria e Comércio Ltda. a adoção de medidas para preservar a saúde de cortadores de cana em dias de calor, entre elas, o monitoramento de temperatura nas frentes de trabalho.
Segundo a decisão da 1ª Vara do Trabalho de Araraquara, a usina deve elaborar avaliação de risco da atividade de corte manual de cana-de-açúcar, no prazo de 30 dias, e adotar precauções para amenizar a sobrecarga térmica dos trabalhadores (entre elas, a concessão de intervalos), em no máximo 60 dias.
A empresa deve medir o índice chamado de IBUTG, calculado sobre a temperatura e a umidade relativa do ar, para medir a exposição dos cortadores ao calor, de forma a preservar a saúde coletiva e evitar acidentes ou mortes por exaustão.
A ação deriva de um trabalho iniciado no ano passado pelo MPT em algumas regiões do estado, notadamente em Bauru e Araraquara. Com base na Norma Regulamentadora nº 15, do Ministério do Trabalho e Emprego, assim como nos casos de infartos e acidentes cardiovasculares registrados nos canaviais na última década, os procuradores passaram a cobrar das usinas a medição das temperaturas através do “Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo” (IBUTG), já que os trabalhadores que realizam o corte manual de cana laboram a céu aberto e estão sujeitos constantemente aos efeitos do calor excessivo, com sobrecarga térmica.
Para medir o IBUTG em ambiente externo com carga solar é necessário equipamento específico, que agrega fatores como a temperatura ambiente, a umidade relativa do ar e a taxa de metabolismo em função da atividade.
Por meio destas aferições técnicas, de estudos e da incidência de acidentes e doenças ocupacionais, os procuradores produziram provas contundentes nas dezenas de inquéritos instaurados, o que levou ao ajuizamento de ações contra grandes grupos usineiros e também a acordos extrajudiciais com o objetivo de garantir a parada em altas temperaturas, seguida de remuneração mínima.
Um estudo apresentado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), utilizado nas petições iniciais, faz analogia do corte de cana com a maratona, sendo que ambas as atividades geram praticamente o mesmo nível de desgaste físico. A pesquisa apresenta números que dão a dimensão do enorme esforço realizado pelos cortadores durante a jornada de apenas um dia: eles desferem uma média de 3.792 golpes com o podão, realizam 3.394 flexões de coluna e levantam cerca de 11,5 toneladas de cana.
Além disso, literaturas e artigos técnicos afirmam que quando a necessidade de regulação da temperatura corporal aumenta, o sistema cardiovascular pode tornar-se sobrecarregado durante o exercício no calor, já que deve transferir alta taxa de fluxo sanguíneo para a área entre a pele e os músculos, deixando as demais com pouca oxigenação. A conseqüência pode ser fatal: infartos e acidentes cardiovasculares podem acontecer durante a “maratona”. Além disso, sintomas de fadiga, como tontura e vômitos, e cãibras pela desidratação, podem ser comuns. No corte de cana, ao menos 23 mortes por exaustão já foram contabilizadas desde 2004.

Maringá

A Usina Maringá foi representada pelo MPT no final do ano passado, juntamente com outras dezenas de empresas do setor sucroalcooleiro, a exemplo do que foi feito em Bauru. Os representantes da usina foram chamados para dar esclarecimentos sobre o meio ambiente de trabalho oferecido aos cortadores, principalmente para juntarem cópias dos programas de segurança e de avaliação de riscos da atividade.
Os documentos foram apresentados, mas a usina negou que fosse feita a aferição de IBUTG. Foi proposta a assinatura de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), como aquele firmado recentemente com usinas da região de Bauru, que prevê pausas em altas temperaturas, mas houve recusa da empresa. Os procuradores de Araraquara também incluíram na minuta de acordo o estabelecimento de protocolo de avaliação de risco cardíaco. A urgência de uma solução imediata levou o MPT ao ajuizamento da ação civil pública.
Na decisão liminar concedida, o juiz José Eduardo Bueno de Assumpção afirma que “é fato público e notório que os trabalhadores que se ativam no corte de cana são expostos intermitentemente às intempéries, especialmente o calor. Nos termos da NR 15, anexo 3, a exposição ao calor deve ser avaliada pelo IBUTG e a ausência de cumprimento de tal norma pela ré foi confirmada pelo seu Engenheiro de Segurança, nos autos do Inquérito Civil aberto pelo MPT, que ensejou a propositura da presente ação civil pública”.
Caso descumpra a determinação judicial, a Maringá pagará multa diária de R$ 1 mil, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). No mérito da ação, o MPT pede a condenação da empresa ao pagamento de R$ 1,7 milhão por danos morais coletivos.