MPT aponta esquema fraudulento de contratação; empresa terceirizada para quebrar o vínculo trabalhista
20/04/2012 - 03h39
O Ministério Público do Trabalho em Araraquara ingressou com ação civil pública contra a Raízen Energia S/A (antiga Cosan) pedindo o fim da terceirização no corte de cana mecanizado, considerado atividade-fim da empresa. Segundo apurado pelo MPT, a Raízen se vale de um esquema fraudulento de contratação para precarizar o trabalho dos terceirizados, o que resulta no desrespeito às normas de segurança e medicina do trabalho, redução salarial e supressão de outros direitos trabalhistas.
O Ministério Público pede o prazo de 60 dias para o fim da terceirização no corte mecanizado. Se deferido pelo juízo, apenas funcionários contratados diretamente pela Raízen poderão exercer tal atividade. Para a reparação dos danos morais coletivos, o MPT pede a condenação da joint venture ao pagamento de R$ 10 milhões, que deverá ser destinado a projetos, iniciativas ou campanhas em favor de trabalhadores.
A investigação teve início no ano passado, a partir do encaminhamento de relatório fiscal e autos de infração lavrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O material relata irregularidades nas frentes de colheita mecanizada identificadas em uma das propriedades da Raízen, em Araraquara. Os fiscais apontaram a utilização da mão de obra de tratoristas da empresa Transportadora Marca de Ibaté Ltda.
“Ocorre que a Raízen explora economicamente a atividade de cultivo de cana de açúcar, sendo a colheita parte integrante de seu processo produtivo. Assim, os trabalhadores contratados diretamente e os trabalhadores intermediados pela empresa prestadora de serviço laboram lado a lado em prol dos objetivos econômicos da Raízen, inseridos em sua estrutura organizacional finalística”, explica o procurador Rafael de Araújo Gomes.
A Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece a proibição da contratação de trabalhadores por empresa terceirizada para exercer atividade que seja essencial à concretização dos objetivos econômicos da tomadora de serviços. Existem casos em que a terceirização é admitida, por exemplo, quando há a necessidade de serviço especializado, que seja diferente daquele exercido pela contratante. “A empresa contratada pela Raízen não demonstrou deter um saber-fazer específico, distinto daquele que a contratante detém. Ela nem sequer possui, como um dos seus objetivos sociais, o desenvolvimento de qualquer atividade agrícola. Vale dizer, não apenas a empresa não possui qualquer especial ou superior especialização na área, a justificar a terceirização, como na realidade possui verdadeira inaptidão para a tarefa, que está em descompasso com seu propósito econômico”, afirma Gomes.
Portanto, o inquérito do MPT concluiu pela ilegalidade da prática, já que ela vai contra a legislação vigente. “A atividade desenvolvida pelos trabalhadores terceirizados, a colheita mecanizada de cana de açúcar de forma pessoal, subordinada, onerosa e habitual, é atividade permanente da Raízen, que determina o modo, tempo e forma que o trabalho deve ser realizado”, diz Gomes.
Fraude
A fiscalização flagrou uma fraude exercida pela Raízen, com o claro objetivo de reduzir os custos decorrentes do processo de produção. Ao menos 10 trabalhadores tratoristas contratados pela terceirizada Marca de Ibaté tinham vínculo empregatício com a Raízen. O contrato deles foi encerrado com a então Cosan no dia 28 de julho de 2011, e eles foram recontratados pela terceira no dia seguinte, 29 de julho, para exercer as mesmas funções.
“A comparação de holerites permite aferir que a terceirização dá-se com precarização, eis que os salários dos trabalhadores registrados pela empresa terceirizada correspondem, em média, a apenas 63% do salário pago pela Raízen”, demonstra o procurador.
Em razão da terceirização, os trabalhadores antes contratados diretamente deixaram de receber também seguro de vida e adicional de produção, concedidos aos operadores de máquina da usina.
Alem disso, na mesma frente de trabalho foram encontrados trabalhadores terceirizados, submetidos a condições precárias e com salário menor, e empregados da Raízen, com salário maior, sendo que todos realizavam as mesmas tarefas.
Condições de trabalho
A maior evidência da precarização decorrente da terceirização se reflete nas condições de trabalho dos tratoristas. O relatório fiscal afirma que eles não dispõem de banheiros, local para refeição, abrigo contra intempéries (como sol e chuva), água potável e fresca e materiais de primeiros socorros, essenciais em caso de acidentes.
Os fiscais ainda apontaram para o excesso de jornada dos terceirizados. Há relatos de trabalhadores que ficam mais de dez dias sem descanso semanal. A legislação obriga a concessão de ao menos 24 horas consecutivas de repouso durante a semana.
“Sequer se está, aqui, diante de um caso de genuína terceirização, mas de verdadeira intermediação de mão de obra, resumindo-se a participação da Transportadora Marca de Ibaté à eliminação do vínculo que existia entre trabalhadores e a tomadora. Sequer a tarefa de recrutamento foi significativamente repassada à empresa terceirizada, pois boa parte dos trabalhadores já laboravam para a usina na mesma função, tendo sido substituído o empregador literalmente do ‘dia para a noite’”, aponta Gomes.
O MPT propôs a celebração de Termo de Ajuste de Conduta à Raízen, mas não houve acordo. A empresa disse em manifestação que a atividade-fim do grupo é a “fabricação e comercialização de produtos sucoenergéticos”, e que a atividade-fim estaria vinculada tão somente à industrialização e comercialização. O plantio e colheita de cana seriam atividade-meio.
“Tal argumentação é grosseiramente falsa, eis que o objeto social da empresa expressamente inclui ‘a exploração agrícola de terra de propriedade da Companhia ou de terceiros’. Além disso, o objeto social não delimita a atividade desenvolvida à ‘fabricação’, como quer fazer crer a Raízen. Menciona-se, isto sim, a ‘produção, venda e comercialização de açúcar e cana-de-açúcar’, e a ‘produção de etanol’. Produção é termo, por óbvio, significativamente mais amplo do que a fabricação, pois para produzir açúcar de cana e etanol, ao invés de apenas fabricá-lo, é preciso plantar e colher cana”, finaliza o procurador.
A ação foi protocolada na 3ª Vara do Trabalho de Araraquara e aguarda julgamento.
Processo nº 0000347-09.2012.5.15.0151 ACP 3ª VT Araraquara