Audiência sobre livro de Monteiro Lobato não tem acordo

Autor: Moacir Silberschimidt
Fonte: Conjur.com.br 12/09/2012 - 02h03

<p style="text-align: justify;">Depois de uma reuni&atilde;o de concilia&ccedil;&atilde;o de quase tr&ecirc;s horas no Supremo Tribunal Federal, presidida pelo ministro Luiz Fux nesta ter&ccedil;a-feira (11/9), representantes do Minist&eacute;rio da Educa&ccedil;&atilde;o (MEC) e do Instituto de Advocacia Racial (Iara) n&atilde;o chegaram a um acordo sobre a manuten&ccedil;&atilde;o da ado&ccedil;&atilde;o do livro As Ca&ccedil;adas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, como obra de leitura obrigat&oacute;ria em escolas p&uacute;blicas. Ficou acertado que haver&aacute; uma nova rodada de negocia&ccedil;&otilde;es no MEC, no dia 25 de setembro.<br />O Instituto considera que o livro tem elementos racistas e, por isso, deve ser acrescido de uma nota explicativa sobre o tema antes de ser debatido em salas de aula. A discuss&atilde;o sobre o poss&iacute;vel conte&uacute;do racista na obra de Monteiro Lobato chegou ao Supremo por meio de Mandado de Seguran&ccedil;a impetrado pelo Iara e pelo t&eacute;cnico em gest&atilde;o educacional Ant&ocirc;nio Gomes da Costa Neto, da Universidade de Bras&iacute;lia (UnB).<br />A inten&ccedil;&atilde;o dos autores da a&ccedil;&atilde;o no STF &eacute; anular ato homologat&oacute;rio do parecer do Conselho Nacional de Educa&ccedil;&atilde;o (CNE) que liberou a ado&ccedil;&atilde;o de livros de Monteiro Lobato por escolas p&uacute;blicas depois de cassar seu primeiro posicionamento, que fixava que os livros n&atilde;o fossem distribu&iacute;dos ou ao menos que trouxessem nota explicativa que discutisse &ldquo;a presen&ccedil;a de estere&oacute;tipos raciais na literatura&rdquo;.<br />Os autores afirmam que &ldquo;n&atilde;o h&aacute; como se alegar liberdade de express&atilde;o em rela&ccedil;&atilde;o ao tema quando da leitura da obra se faz refer&ecirc;ncias ao negro com estere&oacute;tipos fortemente carregados de elementos racistas&rdquo;. Entre os trechos considerados racistas, est&aacute; uma passagem em que a boneca Em&iacute;lia, do S&iacute;tio do Pica-Pau Amarelo, diz: &ldquo;&Eacute; guerra e das boas. N&atilde;o vai escapar ningu&eacute;m, nem Tia Nast&aacute;cia, que tem carne preta&rdquo;. Em outro trecho, o autor escreve que &ldquo;Tia Nast&aacute;cia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carv&atilde;o&rdquo;.<br />O livro Ca&ccedil;adas de Pedrinho foi publicado em 1933. &Eacute; adotado por escolas p&uacute;blicas e faz parte do acervo do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE). Na grade curricular, &eacute; classificado como livro de leitura obrigat&oacute;ria. O advogado Humberto Adami, que representa o Iara, afirmou que a inten&ccedil;&atilde;o da a&ccedil;&atilde;o n&atilde;o &eacute; censurar a obra de Monteiro Lobato ou impedir que seja adotada em escolas.<br />&ldquo;Ningu&eacute;m quer banir nada, nem censurar. O que n&atilde;o se pode &eacute; tratar a discuss&atilde;o como se fosse uma banalidade, com argumento de que o autor escreveu isso em outra &eacute;poca. Na verdade, h&aacute; um problema sim. Isso provoca a realimenta&ccedil;&atilde;o e a reinven&ccedil;&atilde;o do racismo em sala de aula. N&atilde;o adianta fazer campanha de educa&ccedil;&atilde;o para combater bullying se voc&ecirc; n&atilde;o ensina as crian&ccedil;as que elas n&atilde;o podem chamar a colega de maca preta ou dizer que ela vai subir na &aacute;rvore como uma macaca de carv&atilde;o. Isso provoca um efeito delet&eacute;rio&rdquo;, afirmou.<br />A solu&ccedil;&atilde;o, para o advogado, &eacute; manter a distribui&ccedil;&atilde;o do livro com uma nota explicativa e dando forma&ccedil;&atilde;o e capacita&ccedil;&atilde;o aos professores, para que eles possam enfrentar o tema em sala de aula com propriedade. &ldquo;Na&ccedil;&otilde;es democr&aacute;ticas j&aacute; enfrentaram o problema. Tanto na Fran&ccedil;a, quanto na Alemanha, eles est&atilde;o o tempo todo mostrando como n&atilde;o esquecer o holocausto, embora alguns digam que n&atilde;o existiu&rdquo;, afirmou Adami. Mas com a explica&ccedil;&atilde;o do contexto.<br />Humberto Adami afirmou que j&aacute; foi encartada uma nota explicativa no livro por conta da lei de prote&ccedil;&atilde;o ambiental, explicando &agrave;s crian&ccedil;as que a ca&ccedil;a &agrave; on&ccedil;a &eacute; proibida. No caso, a nota explica que a aventura aconteceu em uma &eacute;poca em que a on&ccedil;a pintada n&atilde;o estava amea&ccedil;ada de extin&ccedil;&atilde;o. E em que os animais silvestres n&atilde;o eram protegidos por lei.<br />Depois da reuni&atilde;o, o secret&aacute;rio de Educa&ccedil;&atilde;o B&aacute;sica do Minist&eacute;rio da Educa&ccedil;&atilde;o, Cesar Callegari, defendeu a manuten&ccedil;&atilde;o do parecer. Segundo ele, o parecer do CNE fixa orienta&ccedil;&otilde;es para o combate a qualquer forma de discrimina&ccedil;&atilde;o em livros did&aacute;ticos, mas tamb&eacute;m estabelece que n&atilde;o pode haver nenhuma forma de censura. De acordo com ele, o centro do debate est&aacute; em aprofundar as pol&iacute;ticas p&uacute;blicas que j&aacute; v&ecirc;m sendo implementadas no sentido do combate ao racismo.<br />&ldquo;A aquisi&ccedil;&atilde;o de novas obras j&aacute; devem ser feitas acrescidas de um conte&uacute;do explicativo nas primeiras p&aacute;ginas sobre o contexto hist&oacute;rico e regional em que foram escritas&rdquo;, afirmou. Ou seja, o MEC est&aacute; disposto a conversar sobre como fazer as orienta&ccedil;&otilde;es do parecer serem mais respeitadas, mas n&atilde;o cogita de sua anula&ccedil;&atilde;o. Nem cogita de banir a ado&ccedil;&atilde;o do livro: &ldquo;N&atilde;o vamos censurar jamais a obra de Monteiro Lobato. Isso est&aacute; fora de cogita&ccedil;&atilde;o&rdquo;.<br />De acordo com o advogado Humberto Adami, o MEC apresentou n&uacute;meros de que, de um universo de mais de 2 milh&otilde;es de professores, apenas 69 mil receberam capacita&ccedil;&atilde;o para enfrentar o problema do racismo em suas aulas nas escolas p&uacute;blicas. &ldquo;&Eacute; pouco. O Minist&eacute;rio da Educa&ccedil;&atilde;o n&atilde;o pode se limitar a dar um parecer. Tem de elaborar pol&iacute;ticas para coloca-lo em pr&aacute;tica&rdquo;, disse.<br />Ap&oacute;s a nova reuni&atilde;o no MEC, as partes voltar&atilde;o ao ministro Luiz Fux para apresentar o resultado. Se chegarem a um acordo, o Mandado de Seguran&ccedil;a ser&aacute; arquivado. Caso contr&aacute;rio, o processo ser&aacute; julgado pelo plen&aacute;rio do Supremo. O prazo para apresentar o saldo da negocia&ccedil;&atilde;o &eacute; o dia 5 de outubro.<br />Para o ministro Luiz Fux, a audi&ecirc;ncia de concilia&ccedil;&atilde;o foi proveitosa. &ldquo;Criou-se, inclusive, novas perspectivas de ampliar a discuss&atilde;o para outras obras, al&eacute;m do livro de Monteiro Lobato, que &eacute; objeto do Mandado de Seguran&ccedil;a&rdquo;.&nbsp;<br />* Rodrigo Haidar &eacute; editor da revista Consultor Jur&iacute;dico</p>