<p style="text-align: justify;">Vinte e seis trabalhadores foram encontrados em condições análogas às de escravos em uma propriedade rural no município de Pirassununga (SP), onde trabalhavam na colheita de tomate. Eles foram resgatados pelos fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e devem receber verbas relativas à rescisão de contrato e ao seguro desemprego.<br />O resgate deriva de uma operação conjunta do Grupo Móvel de Fiscalização Rural do Estado de São Paulo, do MTE, e do Ministério Público do Trabalho, que fiscalizou ao todo três fazendas.<br />No Sítio São José (cerca de 96 mil pés de tomate), em Pirassununga, o produtor de tomates originário da região de Mogi Guaçu, conhecido como Shigueo Hayata, empregava famílias vindas das cidades de Taiobeiras e Salinas, de Minas Gerais. Segundo depoimentos tomados no local, o próprio empregador encomendava a vinda dos migrantes ao interior de São Paulo, que chegaram por meio de ônibus fretados. Segundo o Ministério Público, isso pode configurar aliciamento de mão de obra, crime previsto no Código Penal.<br />Ao chegarem ao local da colheita, as famílias foram alojadas em moradias precárias, feitas de material compensado produzido com caixas recicladas de leite longa vida. As famílias, compostas por duas ou mais pessoas, se aglomeravam no alojamento improvisado. Os quartos eram “abertos”, ou seja, não possuíam divisória apropriada, o que acabava por não garantir a privacidade dos moradores. Havia crianças no local.<br />As instalações não atendiam às determinações impostas pelo Ministério do Trabalho. A fossa séptica ficava a seis metros da moradia, quando o espaçamento determinado pelas normas deve ser de, no mínimo, 30 metros. Havia vazamento e a tampa da estrutura estava ruindo.<br />“A proximidade do alojamento com a fossa interfere diretamente nas condições sanitárias de moradia e proporciona a ocorrência de doenças, principalmente nas crianças, que brincam naquele entorno”, observa o auditor fiscal João Batista Amâncio.<br /><br /><br />Relações de trabalho<br /><br />Havia trabalhadores sem registro em carteira de trabalho, especialmente os chamados “mensalistas”. Os contratos formalizados estavam em nome do produtor André Hayata, filho de Shigueo. O seu outro filho, Hélio Hayata, era o gestor da produção.<br />A família Hayata mantinha as carteiras retidas no Sindicato dos Produtores Rurais de Pirassununga, um dos fatores determinantes para o enquadramento na situação de trabalho degradante.<br />“Outros agravantes observados pela fiscalização, que configuram a redução de trabalhadores à condição análoga a de escravos, referem-se ao não pagamento salarial e às falsas promessas feitas pelo empregador, o que afetava a vontade dos trabalhadores e os iludia para permanecerem até o final da safra, na expectativa de grandes ganhos”, afirma o procurador Nei Messias Vieira.<br />O procurador observou, junto aos fiscais, um tipo de fraude que mantém os trabalhadores em constante expectativa de receber valores em dinheiro ao final da safra.<br />Segundo depoimentos, entre eles do encarregado da lavoura, foi prometido o pagamento, ao final da colheita, de valores que poderiam atingir R$ 15 mil por pessoa, na forma de participação nos lucros. Seria como no esquema do falso “meeiro”, em que é celebrado um contrato de fachada, mas que na verdade segue o sistema de prestação de serviços onde o trabalhador recebe parte equivalente aos resultados da colheita ao final da safra, seja em dinheiro ou em mercadoria.<br />Enquanto a promessa não se concretizava, cada família recebia um valor mensal pré-determinado em cheque, na forma de adiantamento, que era descontado em um pequeno mercado da cidade, para fins de subsistência.<br />Eles trocavam o valor integral do cheque por mercadorias, ou seja, não havia qualquer sobra a ser revertida para o pagamento salarial. Procuradores e fiscais identificaram que essa prática vinha ocorrendo há pelo menos 5 meses.<br />“Além de não receberem salário, apenas o suficiente para a própria subsistência, os trabalhadores ficavam presos a uma promessa que, possivelmente, nunca iria se concretizar”, pontua Amâncio.<br />Foi apurado que os trabalhadores assinariam suas rescisões sem receber qualquer valor e, meses depois, receberiam apenas parte do resultado da produção que imaginavam obter, prática que os Hayata recentemente concretizaram com cerca de 15 trabalhadores no sítio Araúna, em Analândia.<br />Nas frentes de trabalho, as autoridades apontaram risco de contaminação na aplicação de agrotóxicos, já que o uniforme utilizado para tal fim é higienizado em meio à lavoura, quando deveria ter um local apropriado para a lavagem. As máscaras de proteção, que não podem ficar próximas ao uniforme com veneno, são lavadas junto com o restante do equipamento.<br />Os dezesseis trabalhadores foram resgatados pelo Ministério do Trabalho e vão receber as verbas referentes à rescisão contratual (FGTS, multa, 13º salário, férias, etc) e também a guia para a retirada do seguro desemprego. Eles voltam nessa terça-feira (11) para suas cidades de origem, em Minas Gerais, sob o custeio dos Hayata, que providenciarão ônibus e demais gastos com traslado.<br />O produtor rural firmou TAC (termo de ajustamento de conduta) perante o MPT, se responsabilizando pelo pagamento de aproximadamente R$ 15 mil líquido para cada trabalhador, sendo R$ 5 mil de indenização por danos morais e R$ 10 mil referentes às verbas rescisórias. Os “mensalistas” receberão R$ 3 mil líquidos pela remuneração prevista e mais R$ 1.500 por cada mês ou fração inferior a quinze dias pelos danos morais sofridos.<br />Os trabalhadores que prestaram serviços em Analândia e não receberam o pagamento de verbas rescisórias, conforme apurado pelo MPT, também devem receber o pagamento de verbas rescisórias e indenização em valor não menor do que R$ 15 mil.<br /><br /><br />Outras propriedades<br /><br />Outras fazendas foram vistoriadas durante a operação, nas cidades de Conchal e Águas de Lindóia. Em ambas foram encontrados sérios problemas de falta de segurança na aplicação de pesticidas agrícolas.<br />Em Conchal, no Sítio São José, de propriedade de Hélio Hayata (filho de Shigueo Hayata), um tratorista era obrigado a respirar agrotóxico enquanto fazia a borrifação. A máquina utilizada por ele não possuía cobertura para a execução desse tipo de atividade, o que levou o trabalhador a improvisar um teto feito de lona. “Mas quando o vento muda de direção, a cobertura improvisada não adianta de nada. O veneno vem diretamente no meu rosto e entra nos meus olhos”, diz o trabalhador, com os olhos bastante avermelhados.<br />Ao caminhar pela plantação, com 150 mil pés de tomate, podia-se constatar a enorme quantidade de agrotóxicos despendida nos pomares. Em cada quarteirão, viam-se poças de “água verde”, contendo montante considerável de pesticidas. Ao serem questionados sobre a substância, os colhedores respondiam: “isso é veneno que pinga das árvores. Fica assim mesmo, todo verde”.<br />Foram encontrados trabalhadores sem registro em carteira de trabalho. Algumas pessoas foram flagradas sem equipamentos de proteção. Nenhum dos colhedores disse ter feito exame médico admissional.<br />Os sanitários, apesar de terem sido instalados da forma como prevê a lei, encontravam-se muito distantes das frentes de trabalho, o que não é permitido pela Norma Regulamentadora nº 31, que observa uma distância máxima de 100 metros entre o local de trabalho e o banheiro. “Não usamos o banheiro instalado pela fazenda porque é muito distante. Fazemos nossas necessidades no mato mesmo”, disse à fiscalização uma das trabalhadoras.<br /><br /><br />Mãos sujas<br /><br />Em Águas de Lindóia, na Fazenda São João (aproximadamente 100 mil pés de tomate), o agrotóxico é aplicado sem qualquer treinamento pelos trabalhadores que fazem a colheita e a chamada “amarração” dos pés de tomate. A mão de uma trabalhadora estava tomada por defensivos agrícolas no momento da fiscalização. Especialistas e médicos do trabalho alertam que esse tipo de substância chega à corrente sanguínea com certa facilidade por meio do contato com a pele, que a absorve para dentro do organismo.<br />“Não sabia que existia risco à saúde. Não fui informada pelo patrão de que isso poderia causar doenças”, justifica a trabalhadora, que não recebeu qualquer treinamento.<br />Todos os trabalhadores que deram depoimento ao Ministério Público disseram que levam as roupas com agrotóxicos para serem lavadas em suas casas.<br />“A legislação não permite tal prática, já que oferece risco grave de contaminação às famílias dos trabalhadores que levam o veneno para casa. As empresas devem oferecer um local apropriado para lavagem e, se possível, pessoal especializado para realizar a higienização dos trajes”, explica a procuradora-chefe do MPT/Campinas, Catarina von Zuben, que participou da operação.<br />Os auditores encontraram um menor com 16 anos de idade colhendo tomates. Para esse tipo de atividade, a lei autoriza o trabalho apenas ao completar a maioridade. Filhos de colhedores também foram vistos em meio à colheita; mesmo sem trabalhar, eles ficam expostos aos riscos de contaminação por agrotóxicos.<br />Todas as irregularidades foram coibidas pelos órgãos trabalhistas e os empregadores foram multados pela conduta ilícita.<br /><br /><br />Moradias<br /><br />Cerca de quatro casas foram arrendadas pelo produtor de tomate de Águas de Lindóia para abrigar as famílias que chegavam de Ribeirão Branco, região do Vale do Ribeira, para trabalhar na colheita.<br />Uma das moradias estava com sérios problemas estruturais, com uma das vigas desmoronando. Nos fundos da mesma casa o esgoto corria a céu aberto, trazendo riscos à saúde dos moradores.<br />“Há o risco grave e iminente de acidente naquela casa. Já interditamos o quarto que fica sobre a ruína estrutural e vamos propor ao empregador a realocação dessas famílias”, afirma o auditor fiscal Edmundo de Oliveira Neto.<br /><br /><br />Multas e TAC <br /><br />O MTE lavrou autos de infração em nome dos produtores rurais pelas irregularidades constatadas nas plantações de tomate.<br />O proprietário da lavoura em Águas de Lindóia assinou TAC se comprometendo a regularizar todos os problemas levantados pela fiscalização. Ao todo, são 28 obrigações assumidas perante o Ministério Público que, se descumpridas, devem gerar multa.</p>