Vinte e seis são encontrados em condições análogas às de escravos na colheita de tomate em Pirassununga (SP)

Operação conjunta identificou migrantes sem receber salários há cinco meses

12/09/2012 - 02h11

<p style="text-align: justify;">Vinte e seis trabalhadores foram encontrados em condi&ccedil;&otilde;es an&aacute;logas &agrave;s de escravos em uma propriedade rural no munic&iacute;pio de Pirassununga (SP), onde trabalhavam na colheita de tomate. Eles foram resgatados pelos fiscais do Minist&eacute;rio do Trabalho e Emprego e devem receber verbas relativas &agrave; rescis&atilde;o de contrato e ao seguro desemprego.<br />O resgate deriva de uma opera&ccedil;&atilde;o conjunta do Grupo M&oacute;vel de Fiscaliza&ccedil;&atilde;o Rural do Estado de S&atilde;o Paulo, do MTE, e do Minist&eacute;rio P&uacute;blico do Trabalho, que fiscalizou ao todo tr&ecirc;s fazendas.<br />No S&iacute;tio S&atilde;o Jos&eacute; (cerca de 96 mil p&eacute;s de tomate), em Pirassununga, o produtor de tomates origin&aacute;rio da regi&atilde;o de Mogi Gua&ccedil;u, conhecido como Shigueo Hayata, empregava fam&iacute;lias vindas das cidades de Taiobeiras e Salinas, de Minas Gerais. Segundo depoimentos tomados no local, o pr&oacute;prio empregador encomendava a vinda dos migrantes ao interior de S&atilde;o Paulo, que chegaram por meio de &ocirc;nibus fretados. Segundo o Minist&eacute;rio P&uacute;blico, isso pode configurar aliciamento de m&atilde;o de obra, crime previsto no C&oacute;digo Penal.<br />Ao chegarem ao local da colheita, as fam&iacute;lias foram alojadas em moradias prec&aacute;rias, feitas de material compensado produzido com caixas recicladas de leite longa vida. As fam&iacute;lias, compostas por duas ou mais pessoas, se aglomeravam no alojamento improvisado. Os quartos eram &ldquo;abertos&rdquo;, ou seja, n&atilde;o possu&iacute;am divis&oacute;ria apropriada, o que acabava por n&atilde;o garantir a privacidade dos moradores. Havia crian&ccedil;as no local.<br />As instala&ccedil;&otilde;es n&atilde;o atendiam &agrave;s determina&ccedil;&otilde;es impostas pelo Minist&eacute;rio do Trabalho. A fossa s&eacute;ptica ficava a seis metros da moradia, quando o espa&ccedil;amento determinado pelas normas deve ser de, no m&iacute;nimo, 30 metros. Havia vazamento e a tampa da estrutura estava ruindo.<br />&ldquo;A proximidade do alojamento com a fossa interfere diretamente nas condi&ccedil;&otilde;es sanit&aacute;rias de moradia e proporciona a ocorr&ecirc;ncia de doen&ccedil;as, principalmente nas crian&ccedil;as, que brincam naquele entorno&rdquo;, observa o auditor fiscal Jo&atilde;o Batista Am&acirc;ncio.<br /><br /><br />Rela&ccedil;&otilde;es de trabalho<br /><br />Havia trabalhadores sem registro em carteira de trabalho, especialmente os chamados &ldquo;mensalistas&rdquo;. Os contratos formalizados estavam em nome do produtor Andr&eacute; Hayata, filho de Shigueo. O seu outro filho, H&eacute;lio Hayata, era o gestor da produ&ccedil;&atilde;o.<br />A fam&iacute;lia Hayata mantinha as carteiras retidas no Sindicato dos Produtores Rurais de Pirassununga, um dos fatores determinantes para o enquadramento na situa&ccedil;&atilde;o de trabalho degradante.<br />&ldquo;Outros agravantes observados pela fiscaliza&ccedil;&atilde;o, que configuram a redu&ccedil;&atilde;o de trabalhadores &agrave; condi&ccedil;&atilde;o an&aacute;loga a de escravos, referem-se ao n&atilde;o pagamento salarial e &agrave;s falsas promessas feitas pelo empregador, o que afetava a vontade dos trabalhadores e os iludia para permanecerem at&eacute; o final da safra, na expectativa de grandes ganhos&rdquo;, afirma o procurador Nei Messias Vieira.<br />O procurador observou, junto aos fiscais, um tipo de fraude que mant&eacute;m os trabalhadores em constante expectativa de receber valores em dinheiro ao final da safra.<br />Segundo depoimentos, entre eles do encarregado da lavoura, foi prometido o pagamento, ao final da colheita, de valores que poderiam atingir R$ 15 mil por pessoa, na forma de participa&ccedil;&atilde;o nos lucros. Seria como no esquema do falso &ldquo;meeiro&rdquo;, em que &eacute; celebrado um contrato de fachada, mas que na verdade segue o sistema de presta&ccedil;&atilde;o de servi&ccedil;os onde o trabalhador recebe parte equivalente aos resultados da colheita ao final da safra, seja em dinheiro ou em mercadoria.<br />Enquanto a promessa n&atilde;o se concretizava, cada fam&iacute;lia recebia um valor mensal pr&eacute;-determinado em cheque, na forma de adiantamento, que era descontado em um pequeno mercado da cidade, para fins de subsist&ecirc;ncia.<br />Eles trocavam o valor integral do cheque por mercadorias, ou seja, n&atilde;o havia qualquer sobra a ser revertida para o pagamento salarial. Procuradores e fiscais identificaram que essa pr&aacute;tica vinha ocorrendo h&aacute; pelo menos 5 meses.<br />&ldquo;Al&eacute;m de n&atilde;o receberem sal&aacute;rio, apenas o suficiente para a pr&oacute;pria subsist&ecirc;ncia, os trabalhadores ficavam presos a uma promessa que, possivelmente, nunca iria se concretizar&rdquo;, pontua Am&acirc;ncio.<br />Foi apurado que os trabalhadores assinariam suas rescis&otilde;es sem receber qualquer valor e, meses depois, receberiam apenas parte do resultado da produ&ccedil;&atilde;o que imaginavam obter, pr&aacute;tica que os Hayata recentemente concretizaram com cerca de 15 trabalhadores no s&iacute;tio Ara&uacute;na, em Anal&acirc;ndia.<br />Nas frentes de trabalho, as autoridades apontaram risco de contamina&ccedil;&atilde;o na aplica&ccedil;&atilde;o de agrot&oacute;xicos, j&aacute; que o uniforme utilizado para tal fim &eacute; higienizado em meio &agrave; lavoura, quando deveria ter um local apropriado para a lavagem. As m&aacute;scaras de prote&ccedil;&atilde;o, que n&atilde;o podem ficar pr&oacute;ximas ao uniforme com veneno, s&atilde;o lavadas junto com o restante do equipamento.<br />Os dezesseis trabalhadores foram resgatados pelo Minist&eacute;rio do Trabalho e v&atilde;o receber as verbas referentes &agrave; rescis&atilde;o contratual (FGTS, multa, 13&ordm; sal&aacute;rio, f&eacute;rias, etc) e tamb&eacute;m a guia para a retirada do seguro desemprego. Eles voltam nessa ter&ccedil;a-feira (11) para suas cidades de origem, em Minas Gerais, sob o custeio dos Hayata, que providenciar&atilde;o &ocirc;nibus e demais gastos com traslado.<br />O produtor rural firmou TAC (termo de ajustamento de conduta) perante o MPT, se responsabilizando pelo pagamento de aproximadamente R$ 15 mil l&iacute;quido para cada trabalhador, sendo R$ 5 mil de indeniza&ccedil;&atilde;o por danos morais e R$ 10 mil referentes &agrave;s verbas rescis&oacute;rias. Os &ldquo;mensalistas&rdquo; receber&atilde;o R$ 3 mil l&iacute;quidos pela remunera&ccedil;&atilde;o prevista e mais R$ 1.500 por cada m&ecirc;s ou fra&ccedil;&atilde;o inferior a quinze dias pelos danos morais sofridos.<br />Os trabalhadores que prestaram servi&ccedil;os em Anal&acirc;ndia e n&atilde;o receberam o pagamento de verbas rescis&oacute;rias, conforme apurado pelo MPT, tamb&eacute;m devem receber o pagamento de verbas rescis&oacute;rias e indeniza&ccedil;&atilde;o em valor n&atilde;o menor do que R$ 15 mil.<br /><br /><br />Outras propriedades<br /><br />Outras fazendas foram vistoriadas durante a opera&ccedil;&atilde;o, nas cidades de Conchal e &Aacute;guas de Lind&oacute;ia. Em ambas foram encontrados s&eacute;rios problemas de falta de seguran&ccedil;a na aplica&ccedil;&atilde;o de pesticidas agr&iacute;colas.<br />Em Conchal, no S&iacute;tio S&atilde;o Jos&eacute;, de propriedade de H&eacute;lio Hayata (filho de Shigueo Hayata), um tratorista era obrigado a respirar agrot&oacute;xico enquanto fazia a borrifa&ccedil;&atilde;o. A m&aacute;quina utilizada por ele n&atilde;o possu&iacute;a cobertura para a execu&ccedil;&atilde;o desse tipo de atividade, o que levou o trabalhador a improvisar um teto feito de lona. &ldquo;Mas quando o vento muda de dire&ccedil;&atilde;o, a cobertura improvisada n&atilde;o adianta de nada. O veneno vem diretamente no meu rosto e entra nos meus olhos&rdquo;, diz o trabalhador, com os olhos bastante avermelhados.<br />Ao caminhar pela planta&ccedil;&atilde;o, com 150 mil p&eacute;s de tomate, podia-se constatar a enorme quantidade de agrot&oacute;xicos despendida nos pomares. Em cada quarteir&atilde;o, viam-se po&ccedil;as de &ldquo;&aacute;gua verde&rdquo;, contendo montante consider&aacute;vel de pesticidas. Ao serem questionados sobre a subst&acirc;ncia, os colhedores respondiam: &ldquo;isso &eacute; veneno que pinga das &aacute;rvores. Fica assim mesmo, todo verde&rdquo;.<br />Foram encontrados trabalhadores sem registro em carteira de trabalho. Algumas pessoas foram flagradas sem equipamentos de prote&ccedil;&atilde;o. Nenhum dos colhedores disse ter feito exame m&eacute;dico admissional.<br />Os sanit&aacute;rios, apesar de terem sido instalados da forma como prev&ecirc; a lei, encontravam-se muito distantes das frentes de trabalho, o que n&atilde;o &eacute; permitido pela Norma Regulamentadora n&ordm; 31, que observa uma dist&acirc;ncia m&aacute;xima de 100 metros entre o local de trabalho e o banheiro. &ldquo;N&atilde;o usamos o banheiro instalado pela fazenda porque &eacute; muito distante. Fazemos nossas necessidades no mato mesmo&rdquo;, disse &agrave; fiscaliza&ccedil;&atilde;o uma das trabalhadoras.<br /><br /><br />M&atilde;os sujas<br /><br />Em &Aacute;guas de Lind&oacute;ia, na Fazenda S&atilde;o Jo&atilde;o (aproximadamente 100 mil p&eacute;s de tomate), o agrot&oacute;xico &eacute; aplicado sem qualquer treinamento pelos trabalhadores que fazem a colheita e a chamada &ldquo;amarra&ccedil;&atilde;o&rdquo; dos p&eacute;s de tomate. A m&atilde;o de uma trabalhadora estava tomada por defensivos agr&iacute;colas no momento da fiscaliza&ccedil;&atilde;o. Especialistas e m&eacute;dicos do trabalho alertam que esse tipo de subst&acirc;ncia chega &agrave; corrente sangu&iacute;nea com certa facilidade por meio do contato com a pele, que a absorve para dentro do organismo.<br />&ldquo;N&atilde;o sabia que existia risco &agrave; sa&uacute;de. N&atilde;o fui informada pelo patr&atilde;o de que isso poderia causar doen&ccedil;as&rdquo;, justifica a trabalhadora, que n&atilde;o recebeu qualquer treinamento.<br />Todos os trabalhadores que deram depoimento ao Minist&eacute;rio P&uacute;blico disseram que levam as roupas com agrot&oacute;xicos para serem lavadas em suas casas.<br />&ldquo;A legisla&ccedil;&atilde;o n&atilde;o permite tal pr&aacute;tica, j&aacute; que oferece risco grave de contamina&ccedil;&atilde;o &agrave;s fam&iacute;lias dos trabalhadores que levam o veneno para casa. As empresas devem oferecer um local apropriado para lavagem e, se poss&iacute;vel, pessoal especializado para realizar a higieniza&ccedil;&atilde;o dos trajes&rdquo;, explica a procuradora-chefe do MPT/Campinas, Catarina von Zuben, que participou da opera&ccedil;&atilde;o.<br />Os auditores encontraram um menor com 16 anos de idade colhendo tomates. Para esse tipo de atividade, a lei autoriza o trabalho apenas ao completar a maioridade. Filhos de colhedores tamb&eacute;m foram vistos em meio &agrave; colheita; mesmo sem trabalhar, eles ficam expostos aos riscos de contamina&ccedil;&atilde;o por agrot&oacute;xicos.<br />Todas as irregularidades foram coibidas pelos &oacute;rg&atilde;os trabalhistas e os empregadores foram multados pela conduta il&iacute;cita.<br /><br /><br />Moradias<br /><br />Cerca de quatro casas foram arrendadas pelo produtor de tomate de &Aacute;guas de Lind&oacute;ia para abrigar as fam&iacute;lias que chegavam de Ribeir&atilde;o Branco, regi&atilde;o do Vale do Ribeira, para trabalhar na colheita.<br />Uma das moradias estava com s&eacute;rios problemas estruturais, com uma das vigas desmoronando. Nos fundos da mesma casa o esgoto corria a c&eacute;u aberto, trazendo riscos &agrave; sa&uacute;de dos moradores.<br />&ldquo;H&aacute; o risco grave e iminente de acidente naquela casa. J&aacute; interditamos o quarto que fica sobre a ru&iacute;na estrutural e vamos propor ao empregador a realoca&ccedil;&atilde;o dessas fam&iacute;lias&rdquo;, afirma o auditor fiscal Edmundo de Oliveira Neto.<br /><br /><br />Multas e TAC &nbsp; &nbsp;&nbsp;<br /><br />O MTE lavrou autos de infra&ccedil;&atilde;o em nome dos produtores rurais pelas irregularidades constatadas nas planta&ccedil;&otilde;es de tomate.<br />O propriet&aacute;rio da lavoura em &Aacute;guas de Lind&oacute;ia assinou TAC se comprometendo a regularizar todos os problemas levantados pela fiscaliza&ccedil;&atilde;o. Ao todo, s&atilde;o 28 obriga&ccedil;&otilde;es assumidas perante o Minist&eacute;rio P&uacute;blico que, se descumpridas, devem gerar multa.</p>