Fabricante de suco de laranja é condenada em R$ 500 mil por discriminação a gestantes

Justiça reconhece que Cutrale demite gestantes em período de estabilidade e obriga trabalhadores a assinarem termo para autorizar o desconto ilegal

09/02/2013 - 02h37

<p style="text-align: justify;">A Sucoc&iacute;trico Cutrale, uma das maiores empresas processadoras de suco de laranja do mundo, foi condenada pela 3&ordf; Vara do Trabalho de Araraquara ao pagamento de indeniza&ccedil;&atilde;o por danos morais coletivos no valor de R$ 500 mil por discrimina&ccedil;&atilde;o a mulheres gr&aacute;vidas.<br />O juiz Carlos Alberto Frigieri tamb&eacute;m determinou que a empresa assegure a estabilidade no emprego de at&eacute; cinco meses ap&oacute;s o parto &agrave;s funcion&aacute;rias que confirmarem a gesta&ccedil;&atilde;o, sob pena de multa di&aacute;ria de R$ 10 mil por gestante dispensada.<br />Al&eacute;m disso, o ju&iacute;zo condenou a Cutrale a n&atilde;o efetuar descontos salariais sem justificativa legal de qualquer funcion&aacute;rio contratado por ela, sob pena de multa di&aacute;ria de R$ 1 mil por trabalhador lesado.&nbsp;<br /><br /><strong>Inqu&eacute;rito</strong><br />O MPT processou a empresa ap&oacute;s receber da Justi&ccedil;a do Trabalho uma senten&ccedil;a proferida em a&ccedil;&atilde;o individual de uma ex-funcion&aacute;ria da Cutrale que foi dispensada durante a gravidez, per&iacute;odo em que gozava de estabilidade no trabalho, segundo estabelecido pela legisla&ccedil;&atilde;o. Na decis&atilde;o, o juiz caracterizou a discrimina&ccedil;&atilde;o contra a empregada gestante, condenando a empresa ao pagamento de indeniza&ccedil;&atilde;o por dano moral.<br />A Cutrale alegou que a pr&aacute;tica era leg&iacute;tima, pois a trabalhadora estaria em per&iacute;odo de experi&ecirc;ncia, muito embora tivesse assinado contrato de trabalho por prazo indeterminado. Recusou-se a empresa a se comprometer perante o Minist&eacute;rio P&uacute;blico em n&atilde;o mais realizar dispensas desse tipo, deixando claro que voltaria a dispensar gestantes nas mesmas condi&ccedil;&otilde;es.<br />&ldquo;A conduta da Cutrale se revelou gritantemente discriminat&oacute;ria, com ofensa ao per&iacute;odo de estabilidade insculpido na Constitui&ccedil;&atilde;o Federal, havendo agress&atilde;o a direito fundamental. Afirmou a empresa categoricamente que tem por leg&iacute;tima a pr&aacute;tica de dispensar trabalhadoras gr&aacute;vidas, n&atilde;o obstante a celebra&ccedil;&atilde;o de contrato por prazo indeterminado, ante invoca&ccedil;&atilde;o de cl&aacute;usula de per&iacute;odo de experi&ecirc;ncia. &Agrave; luz da argumenta&ccedil;&atilde;o de defesa da Cutrale, a situa&ccedil;&atilde;o descrita n&atilde;o se circunscreve &agrave; dimens&atilde;o estritamente individual&rdquo;, explica o procurador Rafael de Ara&uacute;jo Gomes, que concluiu pelo dano causado &agrave; coletividade de trabalhadoras.<br /><br /><strong>Descontos salariais</strong><br />No inqu&eacute;rito aberto contra a Cutrale para investigar a dispensa abusiva de gestantes do quadro de funcion&aacute;rios, o MPT deparou-se com documentos entregues aos empregados, intitulados &ldquo;Descontos em Folha &ndash; Autoriza&ccedil;&atilde;o&rdquo;, que cont&ecirc;m a assinatura do trabalhador para que seja autorizado o desconto no sal&aacute;rio relativo a &ldquo;extravio, danos ou falta de devolu&ccedil;&atilde;o dos EPIs (equipamentos de prote&ccedil;&atilde;o individual)&rdquo;, &ldquo;ferramentas&rdquo; e &ldquo;multas de tr&acirc;nsito&rdquo;.<br />Os documentos buscam a anu&ecirc;ncia do funcion&aacute;rio para realizar descontos irregulares nos sal&aacute;rios, levando o empregado a pagar pelas ferramentas de trabalho e pelos equipamentos de prote&ccedil;&atilde;o que sofreram algum dano ou extravio. Todos os empregados rurais da empresa s&atilde;o obrigados a assinar o documento.<br />&ldquo;N&atilde;o &eacute; feita qualquer ressalva quanto &agrave; exist&ecirc;ncia de dolo ou culpa no modelo-padr&atilde;o do documento, sinalizando a inten&ccedil;&atilde;o do empregador de efetuar os descontos independentemente at&eacute; mesmo de culpa pelo empregado, vale dizer, pretende a Cutrale responsabiliz&aacute;-los de forma objetiva. No caso das ferramentas, sequer se menciona a exist&ecirc;ncia de rela&ccedil;&atilde;o com danos ou extravios, indicativo da disposi&ccedil;&atilde;o de se criar justificativa para descontos at&eacute; mesmo pelo simples fornecimento do instrumento de trabalho. A prova oral produzida nos processos individuais de trabalhadores indica que a empresa realiza sim descontos de forma generalizada e sem qualquer consist&ecirc;ncia, de modo que pratica uma irregularidade&rdquo;, explica Gomes.<br />Mediante a recusa da empresa em firmar acordo com o MPT para encerrar as irregularidades, o procurador ingressou cm a&ccedil;&atilde;o civil p&uacute;blica, pedindo o fim da discrimina&ccedil;&atilde;o, dos descontos salariais e ainda uma repara&ccedil;&atilde;o pecuni&aacute;ria pelos danos causados.<br />Na senten&ccedil;a, o magistrado se apoiou em artigos da Constitui&ccedil;&atilde;o Federal, da CLT (Consolida&ccedil;&atilde;o das Leis do Trabalho) e em s&uacute;mulas do TST (Tribunal Superior do Trabalho) para condenar a r&eacute; &agrave;s obriga&ccedil;&otilde;es de fazer e &agrave; indeniza&ccedil;&atilde;o.<br />&ldquo;Na hip&oacute;tese dos autos, reputo ter ocorrido a mais flagrante e repugnante m&aacute;-f&eacute;, com o objetivo de aumentar o j&aacute; fabuloso lucro da r&eacute; e prejudicar a hiper hipossuficiente trabalhadora rural, j&aacute; que, como bem asseverou o autor, de uma empresa do porte da reclamada, considerada a maior ind&uacute;stria de laranja do mundo, espera-se uma postura de maior responsabilidade social, incompat&iacute;vel com a demiss&atilde;o de uma gestante durante o contrato por prazo indeterminado&rdquo;.<br />O magistrado continua: &ldquo;as viola&ccedil;&otilde;es aos direitos dos cidad&atilde;os e dos trabalhadores, como ocorreu na hip&oacute;tese da gestante dispensada durante o contrato de emprego, na busca do lucro, caracteriza les&atilde;o que transcende o interesse individual, afetando n&atilde;o s&oacute; a coletividade de trabalhadores interessados em manter v&iacute;nculo com a r&eacute;, como a pr&oacute;pria coletividade de empregadores do mesmo ramo, que sofrem concorr&ecirc;ncia desleal por parte da reclamada que, descumprindo direitos trabalhistas e, portanto, praticando &lsquo;dumping social&rsquo;, reduz seus custos com m&atilde;o de obra, obtendo a possibilidade de vender seus produtos a menor custo&rdquo;.<br />Cutrale e Minist&eacute;rio P&uacute;blico* podem recorrer da decis&atilde;o no Tribunal Regional do Trabalho de Campinas.<br /><br /><span style="color: #808080;">Processo n&ordm; 0000390-43.2012.5.15.0151 ACP</span><br /><br />*O pedido inicial do MPT era de R$ 1 milh&atilde;o de indeniza&ccedil;&atilde;o pelos danos morais causados &agrave; coletividade. O ju&iacute;zo, portanto, minorou o valor em 50%, o que possibilita o ingresso de recurso para revis&atilde;o do dano moral.</p>