Quinze anos

Entre os universos de homens e mulheres o que os une é a solidão. Perdemos a capacidade de nos apaixonar e ficamos tão seletivos que terminamos sós

01/06/2011 - 22h30


"Há vários motivos para não se amar uma pessoa.E um só para amá-la." (Carlos Drummond de Andrade)

Há uma queixa recorrente e consensual entre as mulheres. Atualmente está setornando uma missão quase impossível encontrar um homem que reúnacaracterísticas como cavalheirismo, inteligência e intelectualidade aosatributos de um autêntico Don Juan, tais como masculinidade, sensualidade ebeleza física. Tudo o que elas querem é alguém capaz de tirar-lhes o fôlego,surpreendê-las, fazê-las perder a racionalidade. Mas que depois as traga devolta ao plano terreno, à objetividade e pragmatismo necessários, sem deixaresvair o encantamento.
Há também um consenso entre os homens. Nos dias de hoje, há mulheres para securtir e mulheres para se namorar. E raramente são as mesmas. A expressãousual assemelha-se a: "Uma garota como essa não se encontra por aí... Cuidebem dela, mantenha este relacionamento. E aproveite para se divertir com asmulheres erradas, enquanto isso".
Entre um universo e outro, o que os une é a solidão. Mulheres de um lado,homens de outro, compartilhando a vida com amigas e amigos, à espera deserem "tirados para dançar". Parece que a sociedade moderna nos robotizou,tornou-nos tão mecânicos que perdemos a capacidade de nos apaixonar. E, maisainda, de amar. Construímos um muro em nosso redor com tijolos deintolerância. Ficamos tão seletivos que terminamos sós.
Amar é olhar para outra pessoa e, mais do que admirá-la, contemplá-la,observando seus traços, suas feições, seus movimentos, e não desejar perdernem um milésimo de segundo, negando-se até mesmo a piscar. É ver a imagem dapessoa amada refletida em outdoors, estampada no rosto de personagens datelevisão. É ter uma música em comum que marca um momento especial ou que setornou especial por apenas representar a lembrança de um momento. Lembro-mede Mário Quintana: "Amar é mudar a alma de casa".
Amar é dialogar, o que significa falar, mas também saber ouvir. Ter asensibilidade para perceber quando o outro precisa apenas dizer tudo e detodas as formas, muitas vezes sem a preocupação de que você esteja ouvindo.Basta sua presença. Olhos que sinalizam atenção, silêncio que pronunciarespeito. Acolhimento, conforto, generosidade. Dar como alimento o carinho.
Amar é descoberta. É desvendar sem pressa o passado de quem se gosta nãopela neurose de uma investigação, mas pelo prazer de apreciar aquelahistória como quem ouve um pequeno conto infantil ditado pelos pais ao ladoda cama.
Amar é tolerância, é concessão. Não significa mudar e nem exigir que semude, mas estar disposto a se adaptar e esperar que se faça o mesmo. Ajustarexpectativas, alinhar propósitos. É caminhar lado a lado, olhando unidos namesma direção, ainda que com visão periférica apurada. Maiakovski pontuouacertadamente: "Amar não é aceitar tudo. Aliás, onde tudo é aceito,desconfio que haja falta de amor".
Amar é transparência, é dizer o que se pensa, sabendo a hora de falar. É nãopraticar a omissão achando ser possível empurrar conflitos para sob o tapeteaté que um dia o vento espalhe tudo, maculando o que foi construído.Transparência que gera credibilidade, que leva à confidencialidade, queconduz à lealdade. A lealdade que surge não como um dever, mas comoresultado da satisfação do exercício da plenitude, de sentir-se completo. 
Amar é tocar. É beijo que acelera o pulso. Sexo com longas preliminares eaconchego posterior. Dormir abraçado, acordar junto. Filme com pipoca, chuvaromântica do lado de fora. Cuidar e ser cuidado. Promessas insanas de juraseternas - a eternidade que se perde num instante. É dividir a liberdade.
Amar é superar adversidades, enfrentar o desafio da geografia que, às vezes,distancia fisicamente dois corações. É sentir a saudade como fruto dapartida.
Amar é intensidade, é compreender a impermanência do tempo, suarelatividade. Significa rasgar os estúpidos calendários, quebrar osimponentes relógios e compreender que o tempo tem outra dimensão. Épreferível um amor intenso de 48 horas a uma vida insípida compartilhada poruma década.
Amar é se mostrar um grande espelho e permitir que o outro possa mirar-se emvocê. Ver a si próprio enxergando aquilo que é mais virtuoso, mais nobre. Éver de maneira perfeita uma pessoa imperfeita. É buscar o equilíbrio, tomarcuidado com a ansiedade, a angústia, a incompreensão e as cobranças. É tercoragem de também sofrer.
Amar é tudo isso e um pouco mais. Ação que não se descreve, mas que sepratica. Coisas que sabíamos fazer quando adolescentes, aos quinze anos,quando éramos mais intrépidos, menos racionais e, por isso, capazes de sermais felizes.